UM DESLUMBRAMENTO - OS PRIMÓRDIOS DA BOSSA NOVA
- Tem um violão aí? Eu sou o João Gilberto. Podíamos tocar alguma coisa.
Menescal, surpreso com "aquela figura esquisita", mandou-o entrar.
Já ouvira falar num "baiano meio louco, genial, afinadíssimo," que às vezes aparecia no Plaza, na Rua Princesa Isabel, por volta de 1957.
Carlos Lyra já conhecia "aquela figura".
Mas voltemos ao apartamento do Menescal.
Casa cheia. Menescal levou o baiano para o quarto dos fundos. Curioso. Violão examinado e devidamente afinado, João começou a cantar "Hô–ba-la-la", de sua autoria. Uma espécie de beguine – musica caribenha já esquecida. Menescal não entendeu nada da letra. Mas quem se importava com letra? A voz do "cara" era um instrumento! Um trombone da melhor qualidade. E João Gilberto não parecia cantar. Dizia as letras, num sussurro, mal abrindo os lábios. E repetiu o estranhíssimo "Ho-ba-la-la" cinco ou seis vezes, cada uma de maneira diferente, mas com a mesma batida. A mesma bossa. Quase ninguém conhecia João Gilberto, no Rio, em 1957, principalmente os mais jovens. Quem ele era, o que fazia, como aprendera violão, como cantar daquele jeito diferente. Sabia-se, vagamente, que viera da Bahia pra cantar num conjunto, mas não se adaptara. E cantava esporadicamente, na noite do Rio. Fascinado, Menescal resolveu "mostrar sua descoberta" aos amigos.
E saiu com o baiano a tiracolo.
Com violão e tudo.
Começou pelo apartamento de Ronaldo Bôscoli, na rua Otaviano Hudson, onde João Gilberto cantou "Ho-ba-la-la" muitas vezes.
E cantou outra canção muito estranha, chamada "Bim-Bom".